quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Fado, Futebol, Fátima… e Faz de conta!

Ir a um serviço público e passar horas nas suas salas de espera não é apenas uma prova de ineficiência da administração pública mas também conduz a um exercício de análise político-pública que raros comentadores e políticos têm nos seus espaços de confissões semanais. Nas conversas que ecoam nos corredores e no contacto directo com muitos cidadãos, obtêm-se informações que não constam nas estatísticas, que escapam às elites políticas ou que são sucessiva e grosseiramente esquecidas!

Há em Portugal muita iliteracia política! São milhares e milhares de portugueses que não sabem ou não querem saber o que é e para que serve a política. Não se trata apenas de não saberem quem são os principais representantes da nação ou não saberem quais os seus poderes e respectivas limitações. Muitos portugueses não sabem sequer as diferenças básicas entre os principais regimes políticos!
Este desconhecimento e afastamento da política é algo que deveria preocupar os partidos políticos mas é alheio às suas propostas, pois é útil nas suas metodologias de demagogia. A sedução de eleitores por intermédio de argumentos despidos de sustentabilidade ou mesmo de qualquer interesse público é um bom exemplo desse tipo de terrorismo político.
Não há evidências de que os partidos ou os políticos pretendam alterar a sua postura a bem da nação. A imagem de líderes políticos que colocam em causa os seus próprios interesses em detrimento de um melhor e mais consciente sistema político é cada vez mais uma miragem no nosso país. Não parece existir qualquer vontade de mudança, qualquer determinação para melhorar Portugal ou os conhecimentos dos portugueses sobre a sociedade onde vivem.
O sistema político português está assente na iliteracia dos cidadãos e nos direitos reivindicados no pós 25 de Abril de 74. A maioria dos cidadãos ignora que a convivência em sociedade implica igualmente a existência de deveres e até de obrigações. Uns ignoram porque isso lhes dá jeito, outros por falta de informação e, pior ainda, outros por pura desinformação da classe política.
A culpa é de todos mas principalmente daqueles que têm responsabilidades e optam por manter tudo como está. Quando alguém sugere alterações políticas, rapidamente é abafado, deturpado ou enxovalhado numa luta incessante pela manutenção do status quo das elites.

Nada mudará se quem tem responsabilidades e poder de influência continuar estático! Uma simples ida, como utente/cliente, ao mercado, ao centro de saúde ou a uma repartição pública comprova o que digo, assim como o discurso de qualquer político com responsabilidades (fora dos períodos eleitorais), comprova que nada querem fazer para que Portugal e os portugueses sejam mais conscientes das escolhas que fazem!
Ou seja, em Portugal todos se queixam e há muito que pode ser feito mas na hora da verdade, poucos querem mudar alguma coisa.

Somos o país de Fátima, do Futebol, do Fado…e do Faz de conta!


Artigo publicado em simultâneo na webpage Parlamento Global no dia 24/09/2014

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Portugal não é igual à Grécia

Este chavão que ouvimos vezes sem conta para nos tentarem distanciar dos problemas orçamentais da Grécia ficou na mente dos portugueses, criando um estigma negativo em relação a esse país europeu.
Se o problema da Grécia é, como parece, maior do que o português, há outros factores que nos afastam da situação grega e nem todos são aspectos positivos.

A Grécia é um território muito especial. Enquanto Portugal tem 2 arquipélagos que englobam uma dúzia de ilhas, a Grécia tem cerca de 3000 ilhas, muitas delas habitadas, com geografias completamente díspares e problemas de insularidade bem maiores do que os nossos. Imaginem o que é assegurar a administração deste território com construção e manutenção de aeroportos, estradas, portos e rotas marítimas ou mesmo escolas e serviços de saúde. Mas a Grécia é também um país com uma história excepcional e um património riquíssimo. Isso significa mais turismo e mais receitas dos visitantes. Todavia os custos elevados de manutenção desse património terão de ser assegurados pelo Estado, num trade-off incerto entre receitas e despesas.
Nas ruas de Atenas não circulam carros de alta cilindrada como vemos em Lisboa, o bairro das lojas e habitações de alto luxo é muito reduzido, ao contrário do que acontece em Lisboa, a alimentação é muito boa sem ser muito cara e servida com simpatia seja no restaurante mais exclusivo ou numa venda de rua.

Portugal não é a Grécia! Isso é uma verdade de Lapalice. Temos no entanto algumas parecenças. Tivemos de abandonar a agricultura incentivados por uma Politica Agrícola Comum desastrosa, quisemos atingir o bem-estar social médio dos europeus depressa demais, fomos seduzidos por bens de investimento provavelmente necessários mas com um custo de oportunidade demasiado elevado para as nossas possibilidades e tivemos problemas políticos com relações demasiado estreitas com grupos económicos.

O elevado deficit estrutural é um factor que aproxima mas também distancia Portugal da Grécia. O nosso território não é igual, a nossa história não é a mesma, as nossas opções foram distintas e os nossos políticos são diferentes. Contudo, fazemos parte da mesma Europa, do mesmo espaço único, somos geridos pelas mesmas forças de poder externas, tivemos de nos adaptar às definições da Politica Agrícola Comum e, acima de tudo, respondemos aos mesmos estímulos de crescimento europeu. Fomos impelidos a correr numa rampa de crescimento desenfreado sem qualquer sustentabilidade que ruiu e continuará a ruir se tardarmos a compreender que é necessário encontrar o próprio ritmo se quisermos ser bem sucedidos!


Artigo publicado também na edição de 04-09-2014 do site Parlamento Global