quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Uma Árvore Cheia de Frutos Fáceis de Recolher


Durante quase todo o século XX, a economia dos EUA cresceu de forma contínua e rápida mas, talvez nas últimas três décadas, o ritmo de crescimento "normal" diminuiu substancialmente. Isto levou economistas como Robert Gordon e Tyler Cowen a articular recentemente a teoria da grande estagnação: um pessimismo sobre as perspectivas de crescimento no século XXI, após um século inigualável, em que importantes inovações tecnológicas como a aviação, os antibióticos, e os automóveis (só para começar com a primeira letra do alfabeto...), grandes progressos sociais (educação universal e emancipação da mulher) e importantes progressos das instituições políticas (graças à vitória das democracias), permitiram um crescimento económico robusto. A tese de Tyler Cowen, é que o Estados Unidos beneficiou de todos os frutos fáceis de recolher o que permitiu um rápido crescimento, mas agora todos os frutos que sobram estão no topo da árvore e são difíceis de recolher.

A mesma teoria, mas de cabeças para o ar, faz-me ser optimista em relação à economia portuguesa. É que por cá há ainda montes de árvores cheias de frutos fáceis de recolher. Em Portugal, apenas cerca de 15% da população entre 25 e 64 anos possui um curso univeristário (a média na OCDE é de 30%). Um estudo recente da CIP revelou que em Portugal apenas 20% do stock de habitações em uso são arrendadas, o restante 80% é ocupado pelo proprietário. Esta situação é o resultado de uma lei do arrendamento prejudicial para os proprietários (e sim, para os consumidores também... como qualquer curso de introdução à economia revela). O reverso da medalha é que cerca de 20% do stock total de habitações encontra-se devoluto. Ao seja 20% do stock de habitações não gera qualquer benefício económico (o custo de oportunidade é enorme!). Finalmente, o sistema de justiça é lento e ineficaz. Concretamente (pois já não basta dizer que a justiça não funciona, é preciso explicar porque é que não funciona), o mau funcionamento do sistema de justiça em Portugal traduz-se na enorme demora com que os credores são capazes de recuperar empréstimos realizados e receber pagamentos que lhes são devidos. Ora vender produtos e realizar empréstimos sem ter quaisquer garantias de que os pagamentos devidos serão efectuados é evidentemente um enorme obstáculo à actividade económica.

Portanto, investir em educação para pelo menos duplicar a parte da população activa com curso universitário, mudar a lei do arrendamento para não desperdiçar 20% do stock de habitações já instalado, e reformar a justiça para que o incumprimento contratual seja punido, são medidas que terão um enorme impacto na performance da economia portuguesa. São medidas que dão frutos concretos e que, se implementadas, contribuirão para que trajectória da economia portuguesa nos próximos 20 anos seja muito superior ao da média na OCDE. É urgente explicar isto aos investidores internacionais, para que estes voltem a investir em Portugal e para que os empreendedores portugueses sejam capazes de voltar a ter acesso aos mercados de crédito e possam eles também criar novas empresas e novos empregos. Inventar pois uma estratégia de crescimento para Portugal não é tão difícil quanto isso, porque há ainda montes de árvores cheias de frutos fáceis de recolher!

19 comentários:

José Lapalice disse...

Investir como e quanto em educação? Mudar a lei do arrendamento de que forma? Reformar a justiça em que sentido?
É que os investidores estrangeiros estão carecas de saber que há árvores em Portugal que precisam de ser podadas para dar mais frutos. Isso já eles sabem. Agora como podar as árvores, é que fia mais fino. Porque frutos nestas árvores (educação, arrendamento, justiça), nicles bitoques. Podem vir a ter frutos, eventualmente, no futuro. Neste momento têm apenas ramos secos e a precisar de tratamento de emergência.

Nuno Vaz da Silva disse...

Paulo, acho o teu artigo muito pertinente, com duas dificuldades geradas pelo sistema politico vigente:
1- as reformas que sugeres só dão frutos a médio longo prazo o que é incompatível com a necessidade dos politicos em apresentar resultados a curto prazo para reganhar os votos nas proximas eleições e manter o status quo
2- as reformas necessárias implicam a sobrevivência dos politicos face a grupos de interesse mais interessados em que nada mude do que na evolução do país.
Por isso, qualquer mudança que aconteça tem de ser interligada com uma reforma profunda do sistema politico e na representatividade dos cidadãos pelos politicos eleitos

Paulo Santos Monteiro disse...

Lapalice, a árvore já foi podada, e agora já estámos quase na época da apanha... De acordo com a OCDE, hoje em Portugal mais de 30% da população com idade inferior a 30 anos completará um curso universitário. A nova lei do arrendamento entra em vigor este ano. A reforma da justiça... bem OK, esta falta fazer :) Mas o que eu queria realçar é que há condições para uma rápida convergencia da economia portuguesa em relação à média da OCDE. O facto que no século XX poucos iam à escola mas que agora a situação alterou-se completamente, sugere que podemos vir a ter um pequeno "milagre de crescimento" digno dos países asiáticos. Mas é claro que é preciso cuidar da árvore, para que possamos ter muitas boas colheitas e por muitos anos.

Nuno, tens razão, eu refiro-me a dinámicas de médio/longo prazo. E devo dizer que concordo inteiramente com o teu artigo de hoje no parlamento global, sobre o perigo dos ciclos políticos influenciarem as políticas económicas.

V. disse...

Paulo, o facto de mais de 30% da população com idade inferior a 30 anos ir obter uma licenciatura não me tranquiliza em nada. Como docente universitária, sei bem que pessoas estamos a "formar" e como estamos a fazê-lo e digo-te: é assustador. Eu sei que lecciono numa instituição muito própria, que não pode ser tomada como representativa; mas acredita que a média está muito longe da ideia com que 4 anos de Nova te pode ter deixado.
Os alunos chegam à universidade sem saber pensar, depois de 12 anos de ensino em o sentido crítico e a capacidade de raciocinar nunca foram estimuladas. E, infelizmente, muitos saem nas mesmas condições, mas com um canudo na mão.

Pedro Antunes disse...

Lapalice, se é coisa que não falta é estudos e análises dos "como" em qualquer um dos segmentos do país e até na forma como estes se interligam com o resto da Europa e economia global.

Nuno, isso do médio-longo prazo ser incompatível com os ciclos eleitorais é uma desculpa para um político ser pouco eficiente e preguiçoso. O que é verdade é que muitas medidas conseguem mostrar benefícios aos cidadãos em 4 anos... se forem tomadas logo nos primeiros meses e a sério. Até porque para ganhar as eleições só tens de ter os serviços a funcionar de forma sofrível mas com sentidas melhorias e uma carga fiscal constante ou decrescente... mesmo que marginalmente.

Paulo, boa escolha de artigo. Também o tinha lido, apesar de não concordar assim tanto com ele. Tipicamente subestimamos o poder das revoluções tecnológicas. Hoje há imensos avanços a ser feitos a nível de engenharia de materiais que podem alterar de um dia para o outro tudo em centenas de sectores... da aviação ao embalamento de comida e passando pelos jogos de tabuleiro!

V., não poderás a estar a incorrer no preconceito do "no meu tempo é que era"? É que eu não me lembro de ninguém ser especialmente elogioso com a Geração X (a que pertenço) e o que hoje ouço os meus parceiros de geração dizer acerca dos Y e Z é desconfortavelmente parecido com o que ouvia dizer da X!

Paulo Santos Monteiro disse...

Olá Vera,

Para averiguar se a produtividade aumenta com mais anos de escola, é útil olhar para estimativas do "return to education" (RE).

Este paper publicado no Labor Economics (e da autoria de um investigador portugues nos açores)

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0927537199000342

estima RE em Portugal na ordem dos 7%-8% por cada ano adicional de escola. Estes números são semelhantes aos normalmente encontrados na literatura, por exemplo para o mercado de trabalho dos EUA.

Portanto, a teoria do capital humano sugere que a produtividade aumenta da mesma forma nas escolas portuguesas e nas escola americanas, em média claro está... Portanto, um bocadinho mais de optimismo! Os miúdos sempre aprendem qualquer coisa :)

Pedro Antunes disse...

Paulo, para perceberes o que estou a dizer face ao optimismo lê um livro do Michiu Kaku sobre o que se anda a passar na ciência!

A título de exemplo de como a produtividade pode mudar e muda com pequenas coisas: a minha empresa desenvolveu uma técnica ao mesmo preço que as actuais que dá resultados numa hora, versus 2 a 8 semanas actuais!
Quem está no sector das startups tem ao mesmo tempo uma visão muito negra do curto-prazo (a maioria morre na praia) e altamente optimista no longo-prazo.

Paulo Santos Monteiro disse...

Olá Pedro,

Obrigado. E também concordo contigo, acho que o pessimismo em relação ao progresso tecnológico que podemos esperar no futuro é muito exagerado. Estamos apenas a começar a comprender como utilizar as IT de forma a aumentar a produtividade e não há limites para a imaginação sobre o que o futuro nos trás em termos de evolução tecnológica.

Pedro Antunes disse...

Certo, e nem tudo se limita a IT... muito se consegue em Engenharias e Biologias.

Olha a BERD a reduzir 10-15% do custo de uma ponte! Um desenvolvimento que seria feito independentemente dos desenvolvimentos mais recentes de IT.

José Lapalice disse...

Os efeitos da nova lei do arrendamento são óbvios. É notório o enorme interesse dos fundos de investimento imobiliário (nacionais e internacionais) no mercado de arrendamento habitacional de tão boa que é a nova lei do arrendamento.
É algo com tanto potencial, que os bancos preferem despachar as casas com que ficam dos clientes que não conseguem cumprir as suas obrigações a qualquer preço ao invés de encontrarem soluções para as alugarem.

Pedro Antunes disse...

Lapalice, não faz qualquer sentido o que acabaste de escrever.
1. A nova lei pode ter defeitos, mas é melhor do que o que estava.
2. No estado em que está a economia portuguesa faz pouco sentido uma entrada em força dos fundos. Relacionar isso directamente com a lei do arrendamento ser boa ou má é puxar um bocado as coisas, até porque mesmo que fosse perfeita há todas as variáveis a considerar (estabilidade legislativa; situação económica; preconceitos ainda enraizados sobre o arrendamento...).
3. Os bancos não andam a despachar assim tantas casas com tanta facilidade. Claramente não andas comprador de casa! Eu ando e não tem sido fácil encontrar um bom negócio.

José Lapalice disse...

é melhor do que o que estava, sim. Mas é suficiente para que Portugal possa ter um mercado de arrendamento habitacional como países desenvolvidos têm? Claro que não.
2- Pois, a lei do arrendamento ser boa ou má é praticamente indiferente, deve ser isso. Esse argumento de "ah e tal não basta fazer isso pois a conjuntura tb é má" é caminho andado para não fazer nada.
3- Não ando comprador não. Ando vendedor. Quem tenha cash, faz bons negócios. Quem tiver de pedir dinheiro emprestado, não os faz.

Pedro Antunes disse...

1. Estamos de acordo. Pessoalmente preferia outra. Esta é a que temos.

2. Sabes que há outros estilos de escrita para além da hipérbole, certo? Eu também gosto de a usar, mas normalmente é para um ponto meu e não para distorcer o ponto dos outros! :)
O que eu escrevi é que mesmo com uma lei de arrendamento perfeita a situação económica do país ia evitar uma entrada em manada de fundos. É normal que estes levem o seu tempo, até porque o mercado imobiliário ainda não bateu no fundo - este ano deve cair mais uns 10-20%, dependendo do segmento. Foi isso que eu escrevi. Concordas?

3. Isso foi mesmo uma verdade de lapalice! :P
Claro que quem tem dinheiro está mais preparado para fazer bons negócios. Mas os bancos não andam a vender volumes a preços de saldo. Andam a controlar muito bem o ritmo de colocação no mercado. E se tiverem capacidade para isso fazem muito bem para eles... menos simpático para mim! :)

José Lapalice disse...

1- Esta é uma porcaria. Tal como a anterior. Quando se trata de comparar porcaria, não é possivel perder muito tempo a dizer que é melhor ou pior.

2- O mercado imobiliário residencial nunca teve grandes fundos imobiliários internacionais (e mesmo nacionais) a investir. Mesmo na altura das vacas gordas em Portugal. Culpa, claro está, das leis de arrendamento. Vai cair vai, isso é certo. Nessas ordens de grandeza sim.

3- Tempos houve em Portugal em que se podiam fazer bons negócios sem ter muito dinheiro. Ai andam a saldar andam. Pelo menos, nos mercados que conheço, é a impressão que tenho.

José Lapalice disse...

E os bancos, são um dos, senão o maior interessado, em que não se altere muito na lei do arrendamento.

Pedro Antunes disse...

1. o que é que em específico não gostas nesta e como é que alteravas? Já que exiges estas respostas do PSM... :)

2. Pois não e então? Não percebo como que é que isso é prova da tua afirmação. Concordo que parcialmente essa era uma das razões, mas não a única como é óbvio.
As ordens de grandeza não são minhas.

3. Impressões valem o que valem. O que vale é a realidade, ou uma aproximação o mais estatisticamente representativa possível. E o que se verifica é que em 2012 o preço das casas caiu 15%. Isso não é saldos! Um T3 na Expo norte com acabamentos de barraca e 120 m2 não vale 500 mil euros. Um T4 em cima do Eixo N/S com 180 m2 não vale 600 mil euros. Não valem porque não encontram quem os compre. Não valem porque há imensos vazios novos e mais baratos.
Estando eu comprador ando a estudar o mercado desde Maio 2012. Neste momento vale-me mais esperar calmamente 6 meses com propostas baixas mas firmes do que aceitar os preços que se praticam. Esperar que esta irracionalidade passe e depois comprar a valores que fazem sentido.
Hoje quem comprar em Lisboa um apartamento de 200m2 por mais de 400 mil euros numa boa localização deve preparar-se para a vender por menos 50-100k daqui a 10 anos.
Os preços ainda andam muito alto para o que valem as casas. Por vezes com valores 50-60% acima do valor que o mercado está disposto a pagar por elas.

4. Os bancos são os maiores interessados em que a lei do arrendamento seja o mais liberal possível, para que se crie um mercado de arrendamento em que faz sentido investir... o que significa mais compradores das casas nos seus balanços.

José Lapalice disse...

1 - Esta nova lei mantém o problema de expulsar um inquilino que não pague. Em caso de litígio, através de tribunal, continua-se a falar em média de mais de 12 meses para ter uma casa livre de um caloteiro. E 12 meses a correr bem. Ou seja, importa retirar os conflitos de não pagamento de rendas da esfera dos tribunais. A situação é simples: se um inquilino pagar a sua renda via transferência, é fácil provar se pagou ou não pagou. Its not rocket science. Através de um orgão com representantes das associações de inquilinos e de proprietários, p.ex.. No estado actual, é infinitamente mais fácil expulsar de casa um proprietário que viu a sua casa penhorada, do que um arrendatário caloteiro. É estúpido.

O outro ponto absurdo, é a manutenção da situação em que muitos senhorios funcionam como a santa casa da misericórdia, subsidiando as rendas dos inquilinos. Tem de ser o Estado a ajudar os reformados pobres, não os senhorios.

Sem atacar estes dois pontos fulcrais, anda-se a brincar com legislação.

Pedro Antunes disse...

1. Parece-me uma análise demasiado simplista, admitindo que não é totalmente errada.

Estamos completamente de acordo neste ponto. Mas este situação também não foi criada pelos inquilinos, pelo que o estado tem de arranjar uma forma de resolver os dois lados da equação. O Estado pagar a conta sem mais nem menos também não me parece muito bem. O Estado também não é a SCM, nem os meus impostos são pagos para pagar os erros de gerações passadas sem mais nem menos.

José Lapalice disse...

Deixo as análises menos simplistas para outras pessoas.