terça-feira, 27 de setembro de 2011

Os telemóveis e a teoria das escolhas (erradas)

Depois de alguns anos sem adquirir telemóveis, decidi actualizar-me e comprar um smartphone. Foi o corolário de uma busca difícil para quem já começava a ficar ultrapassado. Processadores, megapixéis, cartões de memória, aplicações android e sistemas operativos eram características que não faziam parte do meu léxico quotidiano sobre um aparelho que essencialmente faz e recebe chamadas.
Só pela actualização pessoal diria que a compra de um telemóvel é uma verdadeira “experience”!
Mas ainda mais surpreendente do que a panóplia de características geradas pelo acelerado progresso nesta área, é constatar a quantidade de pessoas que utilizam estes aparelhos, principalmente porque são bastante caros. Comecei a perceber que estes bens estão completamente disseminados por todas as classes sociais e em pessoas de todos os rendimentos. Serão bens de luxo, intermédios ou de primeira necessidade? Dirão os mais sensatos que depende das actividades e necessidades de cada um. Eu acrescento que depende ainda dos rendimentos.
Dado que se tratam de equipamentos que, muitos deles, representam mais euros do que o salário mínimo nacional, o que leva uma pessoa desempregada ou cujo salário é baixo a adquirir um equipamento destes? Será para ficar actualizada, por necessidade, para não ser socialmente excluída, para ocupar os tempos livres ou será simplesmente a manifestação de vaidade tuga?
Ainda que eu tenha ficado mais actualizado, não consegui superar dezenas ou mesmo centenas de pessoas que se cruzam comigo no dia-a-dia e que decidiram investir ainda mais do que eu neste tipo de bens. Desde o senhor que recolhe o lixo na minha rua, passando pela caixa de supermercado ou mesmo na fila da segurança social, não é difícil descobrir quem tenha telemóveis de valor superior ao salário mínimo nacional. Como os recursos são limitados, para adquirirem esse tipo de equipamentos, tiveram certamente de preterir de outros bens: alimentação, estudos, computadores, livros, actividades culturais…dependerá de pessoa para pessoa. Mas sobretudo, implica que tenham feito escolhas, tomado decisões!
A crise do país não é alheia a este tipo de comportamentos. Durante muitos anos foram feitas escolhas que provocaram o descalabro financeiro. A sustentabilidade deu origem ao endividamento, o bom senso transformou-se em despesismo, o Estado como pessoa de bem tornou-se em persona non grata para os negócios!
Enquanto cidadão minimamente responsável, preocupa-me que exista uma franja significativa da população que tenha prioridades de consumo não adequadas às suas capacidades financeiras. O Estado não poderá continuar a sobrecarregar com impostos as poupanças e fechar os olhos ou dar apoios sociais a quem optou por consumir e não poupar!


Ps: Mensagem aos amigos do alheio
Antes que pensem em assaltar-me e roubar o telemóvel (que comprei a menos de metade do preço real mas a muito custo e depois de utilizar algumas centenas de pontos de uma operadora que acumulei ao longo de anos de fidelização), devo alertar que não se trata de nenhum iphone nem dá para ver “galaxys”, que está bloqueado e que sei alguns golpes de karaté alentejano!

3 comentários:

Jose Lapalice disse...

A questão maior ainda é: o que trazem à produtividade de Portugal e de tantos analfabetos funcionais a utilização de smartphones? Será que compensa o custo?

Anónimo disse...

Deste artigo,

http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/04/25/more_than_1_billion_people_are_hungry_in_the_world

We often see the world of the poor as a land of missed opportunities and wonder why they don't invest in what would really make their lives better. But the poor may well be more skeptical about supposed opportunities and the possibility of any radical change in their lives. They often behave as if they think that any change that is significant enough to be worth sacrificing for will simply take too long. This could explain why they focus on the here and now, on living their lives as pleasantly as possible and celebrating when occasion demands it.

We asked Oucha Mbarbk what he would do if he had more money. He said he would buy more food. Then we asked him what he would do if he had even more money. He said he would buy better-tasting food. We were starting to feel very bad for him and his family, when we noticed the TV and other high-tech gadgets. Why had he bought all these things if he felt the family did not have enough to eat? He laughed, and said, "Oh, but television is more important than food!"

Miguel de Pompeia disse...

Muito bom este artigo e a nota final foi a cereja em cima do bolo. Karaté alentejano :)