quinta-feira, 30 de junho de 2011

A “troika” das autarquias

Durante a recente campanha eleitoral discutiram-se alguns assuntos integrantes do Memorando de Entendimento com a troika mas outros houve que nem chegaram a ser abordados. Uma das matérias que parece ter passado despercebida à comunicação social e aos diferentes candidatos foi o impacto das medidas a impor às autarquias.
Segundo o Memorando de Entendimento há um conjunto de medidas que terão influência directa nas autarquias, nomeadamente as seguintes:
- Efectuar um inventário de bens, incluindo imóveis municipais passíveis de privatização (até Junho de 2012);
- Garantir um decréscimo de 2% ao ano dos funcionários das autarquias locais (até Junho de 2013);
- Redução de 15% de cargos dirigentes e serviços até final de 2012, sendo que o plano de cumprimento da redução deve estar completo em Dezembro de 2011;
- Consolidação (ou seja reorganização e redução) do número de Municípios e de Freguesias (actualmente 308 e 4259, respectivamente), cujo plano deve estar efectuado até Julho de 2012;
- Alargar o Simplex aos Municípios, com objectivo de reduzir a carga burocrática (até Março de 2013);
Estas medidas, especialmente direccionadas para as autarquias locais, foram ignoradas pelos diversos agentes políticos no período eleitoral. Podemos alegar que estavam em causa eleições legislativas e não autárquicas. No entanto, tendo sido os partidos políticos (PS, PSD e CDS) a nível nacional a aceitarem estas condições, não deveriam os cidadãos ter sido esclarecidos sobre a complexidade das mesmas?
Por exemplo, alguém sabe de que forma serão reduzidos em 15% os cargos dirigentes das autarquias? Qual o critério que vai ditar o encerramento de Municípios e Freguesias? Quais as autarquias que serão extintas e onde ficarão centralizadas as “sobreviventes”? Dado que os Municípios são o garante do emprego em muitas regiões do país, que alternativas de trabalho terão os jovens nesses locais?
Os prazos para cumprimento destas medidas são muito exigentes e, para serem cumpridas atempadamente, obrigarão a uma “revolução institucional” ao nível autárquico. A situação do país obriga a esta racionalização de estruturas mas poderão existir vários caminhos para atingir o mesmo fim com custos diferentes para os eleitores.
Dado que o impacto destas medidas afectará sobretudo as regiões do interior, caberá principalmente aos políticos locais e aos órgãos de comunicação social regionais questionarem o poder central sobre as mesmas e os seus efeitos para as populações.
Dependendo o financiamento externo da concretização dos items referidos no memorando de entendimento, urge esclarecer os cidadãos sobre estas e outras medidas que serão implementadas.

Nuno Vaz da Silva
Economista


artigo publicado na edição de 29/06/2011 do Jornal "Alto Alentejo" e que também pode ser lido no blog Deseconomias

terça-feira, 28 de junho de 2011

Delegados de informação médica nos hospitais públicos?

Há cerca de 4 anos, todos os meses e por razões de natureza médica, tenho de ir à consulta externa de um determinado hospital público (que vou optar por não identificar). Relativamente aos serviços médicos e administrativos devo dizer que não tenho uma única razão de queixa. As instalações são modestas mas o acompanhamento efectuado ao utente faz inveja a qualquer serviço privado da mesma área (falo de experiência própria). As consultas são marcadas com muita antecedência mas são efectuadas a horas ou com atrasos razoáveis, o utente não é sobrecarregado com baterias de exames inúteis, os cuidados de enfermagem são prestados em tempo útil e os médicos efectuam trabalho de equipa na avaliação do estado de saúde dos seus pacientes. Claro que a taxa moderadora paga pelos serviços é também baixa (provavelmente demasiado baixa para ser efectivamente moderadora da procura).
Há alguns aspectos que poderiam ser melhorados nestes serviços públicos mas devemos ter em consideração que os orçamentos são limitados e nem sempre os gestores hospitalares podem fazer grandes melhorias nos procedimentos ou nas instalações que têm a seu cargo.
No entanto, e não querendo entrar em eventuais ganhos de eficiência (como por exemplo os decorrentes da centralização das compras públicas de saúde, que por sinal está regulada e tem órgãos em funções), há outros pequenos ajustamentos que podem ser efectuados para prestar um melhor serviço ao utente. Uma sugestão de implementação aparentemente simples seria regular a actividade dos delegados de informação (ou propaganda) médica. Como utente e contribuinte não compreendo que os delegados de informação médica possam circular livremente nas áreas destinadas às consultas externas dos hospitais públicos, fazendo autênticas “esperas” aos médicos e tentando passar à frente dos utentes para serem “atendidos” (obviamente sem pagamento de taxa moderadora).
Acredito que a actividade de publicitar medicamentos e outros produtos médicos seja relevante e vamos supor que é de utilidade pública. Os médicos devem conhecer os avanços científicos e os novos produtos desenvolvidos, para que possam prescrevê-los aos utentes que deles necessitem. Mas será esta a melhor forma de difundir as informações pelo sector? Será ainda normal que um delegado de informação médica tenha acesso livre a um qualquer hospital público para promover congressos tendencialmente gratuitos em locais turisticamente interessantes e que, para tal, possa passar à frente de doentes? E porque têm os utentes que vão a uma consulta numa instituição pública de conviver com autênticos encontros de 3 ou 4 delegados de informação de laboratórios (privados) concorrentes?
A actividade de informação médica pode ser nobre (para além de ser rentável) e o seu impacto social muito relevante mas deve ser regulada de forma a não interferir na prestação de cuidados de saúde. Para além disso não poderia haver uma outra forma de divulgação dos produtos médicos, talvez mais concorrencial, transparente e com avaliação dos incentivos oferecidos aos prescritores desses mesmos serviços?
Um bom ponto de partida seria obrigar que qualquer acto de promoção médica realizada em Hospitais Públicos passasse a ser previamente analisado e autorizado pelo Director Clínico da unidade em causa. Fica a sugestão!

sábado, 18 de junho de 2011

Mudam-se os "cenários", mudam-se os "actores"!

Portugal é, actualmente, palco de um novo cenário de desafios. A governação de José Sócrates levou o país ao buraco negro de insegurança, endividamento e descrédito, de onde muitos julgam só ser possível sair através de um milagre. A situação tornou-se de tal forma insustentável, que só mesmo um novo governo seria capaz de trazer alguma esperança ao povo português.
Os portugueses são aventureiros e detentores de um enorme espírito de sacrifício, o que explica em grande parte a passividade com que vão sendo comandados ao sabor do interesse dos poderosos, que querem à viva força ascender na sua promoção pessoal, esquecendo os interesses colectivos. Não é o PSD ou mesmo o CDS que fazem a diferença, mas sim um nome: Pedro Passos Coelho - uma lufada de ar fresco, que vem agitar as águas turvas em que nos temos vindo a afundar, uma bóia de salvação para as angústias sentidas nos últimos anos.
Estamos a viver o pior acto de sempre da peça que dá vida à nossa história. O conjunto de novos actores não nos transmite a confiança necessária para podermos gozar tranquilamente os dias de sol que se aproximam. Na minha modesta opinião, este é precisamente o factor de mudança de que precisávamos: competências técnicas são bem vindas, por contraste à experiência política desgastada e inoperante. Nenhum de nós é muito bom para um cargo, antes de o exercer, mas a visão inovadora, as aptidões e a vontade podem fazer toda a diferença e, se o que tivemos até agora não funcionou, porque não acreditar neste novo modelo?
Eu também tenho as minhas dúvidas, mas dou o meu voto de confiança. O país precisa de todos nós. Não devemos ser passivos ao ponto de entregar o nosso destino em mãos alheias. Podemos fazer sempre mais, podemos sempre contribuir, sendo activos na vida social e política. Ainda que eles sejam os actores, o papel principal é nosso.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"Por uma nova agenda sindical"



Modo de Funcionamento dos Sindicatos
 No próximo sábado, dia 18/06 decorrerá em Lisboa um seminário internacional sobre sindicalismo, sob o tema “Contra a Escalada NeoliberalN– Por uma nova agenda sindical”.
Diversos factores são mencionados nesse documento como críticos para a agenda dos sindicatos, nomeadamente as opções políticas tomadas pelos Estados para tentar conter as crises financeiras desde 2007, a pressão dos mercados internacionais e das agências de rating sobre as economias mais vulneráveis, o diminuto exercício da cidadania e os sucessivos planos de austeridade.
Apesar das críticas de vários sectores, o papel dos sindicatos continua a ser bastante relevante e é o garante da capacidade negocial de muitos trabalhadores. Mas os sindicatos necessitam de se reinventar. Necessitam de um novo fôlego que consiga cativar os trabalhadores sindicalizados e principalmente os não sindicalizados, sem esquecer a restante classe activa que está desempregada ou que se encontra em empregos precários.
Para além desta necessária aproximação à actual realidade laboral, os sindicatos deverão promover um afastamento gradual dos partidos políticos. Compreendo que muitos políticos tenham atracção pelo movimento sindical, principalmente à esquerda do espectro partidário e percebo que o movimento contrário “sindicatos-partidos” seja também bastante sedutor.  Mas a proximidade destes diferentes tipos de intervenção cívica acaba por enfraquecer os sindicatos e pode comprometer a necessária isenção da capacidade negocial em prol de condições de trabalho justas e retribuições equilibradas socialmente (sobretudo se existirem incentivos perversos para que tal suceda).
Certamente que este não é o único “calcanhar de Aquiles” dos sindicatos. Outros motivos existem para esta sucessiva perda de capacidade negocial. Dado que o documento em causa é um ponto de partida que será explorado no seminário de dia 18, espero possam ser debatidos também os seguintes assuntos, não menos importantes do que os anteriormente descritos:
- Diminuta rotatividade dos sindicalistas;
- Disputa entre corporações que distorcem a justiça social;
- Proliferação de mensagens fortemente politicas e pouco sindicais;
- Marcação de greves sem cumprimento dos serviços mínimos;
 - Negociação das condições de trabalho baseadas em direitos adquiridos e não em critérios de meritocracia;
- Trade-off defesa dos postos de trabalho ao abrigo de acordos colectivos vs trabalhadores precários e temporários;

Aguardemos que as conclusões deste seminário possam ser mais do que respostas meramente generalistas. A resolução dos problemas financeiros do país e as reformas que são de imprescindível (e urgente) implementação deverão apoiar-se num movimento sindical consciente dos desafios que enfrenta e, sobretudo, realista quanto ao impacto que as suas acções podem ter no desenvolvimento da nossa sociedade!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Episódios da noite eleitoral

As noites eleitorais são sempre recheadas de episódios que ficam na memória de quem se interessa por estes assuntos. A de ontem não foi excepção por vários motivos dignos de registo:
- O discurso de derrota de Sócrates. Um verdadeiro case-study de como se sai do poder derrotado mas em auto-elogio, com demasiado tempo de antena, mantendo o amor ao teleponto e preparando a corrida presidencial de 2016. Não fosse a pergunta sobre processos judiciais da jornalista da rádio renascença e teria sido a saída perfeita!
- A abstenção...sempre a abstenção. Todos sabem que grande parte dos portugueses não se identificam com os políticos nem com a política que temos. Também todos sabemos que os cadernos eleitorais pecam por excesso. Não é ainda novidade que este problema existe em período eleitoral e fora dele. Então, porque falamos tanto da abstenção em períodos eleitorais e não se faz nada para a combater fora das campanhas ou da noite eleitoral? Ou consideram os políticos que este é um problema sazonal?
- O hino português cantado a solo por Passos Coelho. Não sei qual foi o estratega que achou uma boa ideia colocar o Presidente do PSD na posição constrangedora de cantar o hino sozinho no palco antes de dar a palavra aos jornalistas (péssimo timming, péssima imagem televisiva). E, para não haver dúvidas, breves momentos após esse solo, eis que o hino é cantado de novo em pleno Marquês de Pombal, passando nas televisões os dotes líricos do futuro primeiro-ministro. Terá sido a demonstração que o tango já lá vai e que agora temos canto à capela?
- A gafe de António José Seguro. Convocou os jornalistas para falar e acabou por não dizer nada de relevante. Ou quis ganhar tempo de antena ou arrependeu-se de anunciar a sua corrida à liderança do PS na noite da derrota. Pior ainda, depois dos jornalistas terem pré-anunciado que António José Seguro os tinha convocado e após nada ter dito, um repórter perguntou-lhe “se não tem nada para dizer, porque quis falar com os jornalistas?”, tendo obtido a seguinte resposta “eu não quis falar, vocês é que quiseram falar comigo”… não começa bem este candidato a candidato…
- Os resultados anunciados na Tv. Não ouvi ninguém falar sobre este tema e espero sinceramente que o problema seja meu ou da minha televisão: não percebi os resultados segmentados por Distrito que as estações de televisão apresentaram em rodapé (para não falar dos gráficos em 3Ds de impossível compreensão). Uma confusão de informação visual que me fez ter saudades das noites eleitorais da década de 90…pouco tecnológicas mas muito perceptíveis! Uma questão para as Direcções de Informação das TVs reflectirem!!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

6 MoUtivos para criticar os candidatos e os media

Estas eleições legislativas antecipadas decorrem num contexto pouco habitual: Portugal está mergulhado numa crise económico-financeira, o primeiro-ministro demitiu-se e tivemos de pedir ajuda externa, temos obrigação de cumprir as medidas impostas pelo Memorandum of Understanding (MoU), e a recessão é uma realidade em crescimento.
Mas é extraordinário como, apesar deste contexto, na campanha eleitoral os assuntos são analisados apenas pela rama, evitando os mais estruturais e difíceis de implementar. Assim, proponho-me a identificar 6 temas que não foram ainda discutidos mas que são de grande relevância para a sustentabilidade do país:
- Privatizações: O Estado precisa de liquidez. Na ausência de receitas correntes, a troika deliberou que terão de ser privatizadas as participações em empresas públicas, nomeadamente TAP, Aeroportos, CP Carga, REN, EDP, Galp e Caixa Seguros. Mas, o MoU vai mais longe e indica que terão de ser inventariados e eventualmente privatizados determinados bens, incluindo imóveis, das autarquias. Alguém falou disto nesta campanha?
- Emprego: o MoU introduz medidas que afectarão directamente o emprego na Administração Pública (com a redução do número de funcionários e racionalização de serviços) e indirectamente, por via dos constrangimentos provocados pela recessão económica e pelas alterações aos códigos laborais. A taxa de desemprego terá tendência para aumentar e o recurso às empresas de trabalho temporário provocará um acréscimo do emprego precário. E que futuro reservam os políticos para os funcionários despedidos e para os jovens em inicio de carreira?
- Energia: o MoU prevê a liberalização dos mercados de electricidade e gás, terminando a actual regulação dos preços finais ao consumidor. Esta medida poderá ainda ser associada a um aumento da taxa de IVA de 6% para 23% - um aumento que muitas famílias e empresas poderão não conseguir suportar. Para além disso, poderá influenciar um aumento da taxa de inflação, pelo grande peso destes inputs nos orçamentos familiares e empresariais. Porque não se discute este tema?
- Habitação: a diminuição dos benefícios fiscais com juros e encargos de habitação própria terá impacto na redução do orçamento das famílias. Por outro lado, o aumento do IMI, a maior frequência das avaliações aos imóveis e a falta de liquidez no sector financeiro provocarão uma contracção na procura de casa própria. Haverá maior dificuldade na venda e compra de casa, o que originará a diminuição do dinamismo neste sector. E o que acontecerá às casas já construídas que estão para venda?
- Autarquias locais: O MoU prevê a redução do número de trabalhadores em 6% até 2014 e a diminuição do número de autarquias (actualmente 308, incluindo os Municípios das regiões autónomas), e Freguesias (actualmente 4259). Alguém sabe de que forma pretendem os partidos mexer no mapa autárquico? Quais os concelhos que serão extintos?

- Desenvolvimento Regional: O MoU não prevê a existência de medidas que potenciem o desenvolvimento regional, sendo este um tema tabu em todo o documento (à excepção da diminuição das transferências do Governo Central para as regiões em 175 milhões de euros). Tendo Portugal vários problemas crescentes de assimetrias regionais, espera-se que estes não sejam combatidos quando existem outras medidas de difícil implementação e com prazos muito apertados. Mais uma vez as vantagens competitivas das regiões do litoral vão levar a um agravar do problema das regiões do interior. E qual será então a situação das regiões desfavorecidas daqui a 3 anos?

Estes 6 temas não foram abordados na campanha nem foram objecto de perguntas nos debates. O serviço público de televisão ignora-os e muitos portugueses tomam decisões sem estarem esclarecidos.
Os candidatos também fogem destas matérias ou nem as consideram relevantes para obter votos. Provavelmente, se o fizessem, poderiam até perder alguns apoios. No entanto, estas questões vão estar na ordem do dia nos próximos 3 anos. E os portugueses terão de viver com os constrangimentos provocados também por estas medidas.
Se a campanha serve para informar os cidadãos, debatendo argumentos e se é subsidiada pelo próprio Estado, não deveria ser exigido aos partidos que esclarecessem realmente os cidadãos sobre como pretendem governar o país?