quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pechincha: TGV só custa 73ME / ano

Ao ouvir no outro dia o Ministro das Obras Públicas e Transportes responder à pergunta de qual o valor global dos custos de construção, financiamento, exploração e manutenção do TGV Lisboa-Madrid, com:
“…em termos médios, ao longo das concessões, os encargos directos para o orçamento de Estado serão em média de 73 ME por ano, correspondentes a 0,04% do PIB…”

Lembrei-me de que:
a)          Esta linha de raciocínio explicativo lembra muito as técnicas de vendas da TVShop. Algo como “compre agora, e pague em suaves 128 prestações de apenas X Euros. E sem juros”.
b)         Claramente as palavras chave nesta declaração são os “encargos directos”. Está bom de ver que os encargos que não são directos (provavelmente desde logo a manutenção) serão pagos por uma REFER ou empresa pública similar, e os valores serão claro uma incógnita.

Em boa verdade, o Ministro não está a mentir. Está só a ludibiar.  

Vou oferecer um Ferrari a cada português!

Amigos, estou a pensar candidatar-me a Primeiro-ministro e este poderá ser o meu slogan!
Sim, com este slogan espero captar a atenção de pelo menos 2.077.238 portugueses (número de votantes no PS nas ultimas legislativas e que permitiu ganhar as eleições com 36.56% dos votos).

Argumentos não me vão faltar para defender o meu slogan (embora me falte obviamente o dinheiro quando e se alguma vez quisesse concretizar a medida): Se eu prometer um Ferrari a cada português, para além de manter a consistência das grandes promessas das últimas eleições, vamos poder dar uso às auto-estradas, cobrando muitas portagens e dispensamos facilmente a existência de TGV`s.
Perguntar-me-ão: “Estás doido? Mas tu sabes que isso não é possível de cumprir!”
De facto é um slogan irrealista mas, afinal de contas, os slogans não têm a função de ser realistas. Apenas servem para ganhar eleições!
Não querendo fazer uma crítica partidária, esta tem sido a estratégia do PS (um verdadeiro case-study de como ganhar eleições com a venda de ilusões). Prometeu 150.000 empregos em 2005 (promessa que sabia de antemão não poder cumprir) e prometeu em 2009 comboios de alta velocidade, empregos, auto-estradas e muito optimismo contra o discurso da crise (promessa que sabia também não ser possível de cumprir).
Depois de ganhar as eleições posso sempre alegar uma qualquer crise internacional para fazer um volto face de 180º a este slogan. Afinal de contas, se 2.077.039 portugueses forem na conversa do meu slogan já poderei dar empregos dourados a muitos actuais e futuros amigos, mesmo que não cumpra nada do que prometi! Posso perder as eleições seguintes (se não arranjar um slogan que ultrapasse em irrealismo a promessa dos Ferraris) mas pelo menos já posso acrescentar umas linhas ao currículo e, quem sabe, passar a dar umas aulas numa Universidade dos EUA. Mas, nessa altura, terei muitos mais amigos (todos aqueles a quem arranjei emprego) que me ajudarão a ser novamente eleito. Assim, ficaremos todos felizes, mesmo que o país se continue a afundar!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ideias Para a Redução do Défice #1

Embora sendo economista, nunca li uma versão detalhada de um Orçamento de Estado. Não estando na posse dessa informação, não posso sugerir mais que aquilo que é óbvio. Pelo menos, para alguns...

Nunca li uma versão detalhada do Orçamento, mas já fui ao site do Governo e sei que o actual é composto por 14 Ministérios. Curiosamente (ou não), na secção de "perguntas frequentes", não consta "para que é que precisamos de tantos Ministérios?!". Pessoalmente, nunca percebi o que faz o Ministro da Presidência; e a existência de um Ministro dos Assuntos Parlamentares escapa à minha lógica. Interrogo-me para que serve um Ministério da Agricultura (sector que contribui com menos de 10% para o PIB): não podia ser uma Secretaria de Estado ou mesmo uma Direcção-Geral do Ministério da Economia? Pergunto-me se Educação, Cultura e Ensino Superior não poderiam estar reunidos. E, embora tenha muitas preocupações ecológicas, duvido da pertinência de um Ministério do Ambiente.
Reorganização governamental: medida com redução de despesa em progessão geométrica, porque cada um destes Ministros tem o seu gabinete - e, a propósito, o site do governo também não esclarece quantas pessoas compõem em média tal staff e, muito menos, qual o vencimento de cada uma delas.

Portugal: Uma Breve Análise Historico-Psiquiátrica

Andava eu no supermercado, algures entre o corredor dos detergentes e o das bebidas, a abastecer-me de mantimentos, quando reparei no livro “Economia Portuguesa, As Últimas Décadas”. Chamou-me a atenção o autor, Luciano Amaral, meu caro antigo professor de História Económica, porque o livro, esse, é pequenino e franzino. As últimas décadas são, de facto, um replicar dos últimos séculos. Com as devidas adaptações, foi mais do mesmo. Estamos endividados. Reza a história que a primeira dívida portuguesa teria sido o dinheiro prometido à Santa Sé por D. Afonso Henriques e que nunca lá chegou. Claro que na altura a ameaça era de excomunhão e não a vinda do FMI. Temos de adoptar medidas de contenção. Fizemo-lo vezes sem conta ao longo da história. Há uns anos atrás chamavam-se pragmáticas. Foram esquecidas quando se descobriu o ouro do Brasil, retomadas quando aquele acabou, novamente abolidas com a extracção de diamantes e necessárias mais uma vez… Deja vu?!
“Depois de um longo período de optimismo entre 1986 e 2000, o pessimismo sobre a economia portuguesa está de regresso” - pode ler-se na contra-capa do livro. Ciclos de optimismo e pessimismo: assim somos nós. Temos este comportamento bipolar: eufórico nos períodos de crescimento económico, em que quem aconselha previdência é chamado velho do Restelo (não obstante a idade que possa ter); depressivo e resignado nos períodos de crise, quando deveríamos estar a reunir as nossas melhores energias. Não se estranha num país que nasceu de um complexo de Édipo mal resolvido!

[Nota: artigo de opinião publicado na newsletter da Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Economistas.]

terça-feira, 28 de setembro de 2010

OCDE e o aumento do IMI

Foi ontem apresentado o Economic Survey para Portugal da OCDE (http://www.oecd.org/dataoecd/34/20/46062172.pdf)  e um dos aspectos mais realçados pelos media é a sugestão de aumentar a receita vinda do IMI (vulgo imposto sobre o imobiliário). Segundo a OCDE, estas taxas estão abaixo da média dos paises da organização. Tal como é dito:

Apesar das reformas de 2003 nos impostos sobre a propriedade, a base para cálculo das taxas de IMI usualmente está bastante abaixo dos valores de mercado (a actualização ocorre principalmente quando os imóveis são vendidos). Além disso, o IMI é subvertido pela existência de numerosas excepções. Portugal deve aumentar substancialmente a sua receita proveniente do IMI, principalmente através do alargamento dos imóveis sujeitos a IMI e por uma regular actualização dos valores dos imóveis. Todavia, um aumento da percentagem das taxas também é provável que venha a ser necessário (….).  Neste contexto, os potenciais efeitos no mercado residencial de arrendamento e nos preços das habitações deve ser tomado em consideração.  (tradução feita pelo autor)

Algumas observações sobre o que é dito:
- é um facto que há ainda muitas centenas de milhares (ou mesmo milhões) de propriedades que têm como base para cálculo um valor irrisório face aos valores de mercado. Mas também é verdade que são cada vez mais frequentes os casos de imóveis que foram recentemente reavaliados que têm de valor base um valor superior ao valor de mercado.

- a actualização dos valores dos imóveis antigos é influenciada sobremaneira pelas enormes distorções que existem no mercado de arrendamento (principalmente tratando-se de rendas antigas residenciais ou comerciais). No momento actual, já existem demasiados proprietários que face à actuação do Governo ao longo das últimas décadas (congelamento do aumento de rendas) têm um rendimento irrisório vindo dos valores pagos pelos inquilinos dos seus imóveis. Menos mal que a base de tributação para efeitos de IMI não foi actualizada. A imoralidade aumentaria ainda mais (se é que isso é sequer ponderável) se viessem a ocorrer situações (que seriam às centenas de milhar) de proprietários que teriam de pagar mais de IMI sobre um imóvel, do que todo o valor anual que recebem de renda do inquilino. É que as rendas de 30, 50, 80 Euros existem. Não são ficção.

Oxalá o Governo se dignasse a fazer mudanças significativas no mercado de arrendamento. Mas não sendo plaúsivel que isso ocorra, mexer na base tributável de imóveis antigos é uma verdadeira camisa de sete varas. Tudo isto porque na verdade Portugal tem um pseudo-mercado de arrendamento, completamente distorcido, ineficiente, como não se conhece em nenhum país europeu.
 
Nota: Claro que já existem muitas situações em que um senhorio pode pagar mais de IMI do que aquilo que recebe de renda de um inquilino. Basta que esse mesmo inquilino decida não pagar a renda. Dois anos (a correr bem) é o tempo que demora a conseguir despejar um inquilino vigarista.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Projecto Farol(im)

Volta na volta, surgem em Portugal manifestos de cariz mais ou menos sério. Assim como há uns anos surgiu o “Compromisso Portugal”, cujos resultados passados 6 anos tenho dificuldade em vislumbrar, este ano saiu mais um. Desta vez com um nome mais original: “Projecto Farol”.

Vem em todos os livros de gestão que os objectivos devem ser SMART – Specific, Measurable, Attainable, Relevant and with Time-bound. Ora, é relativamente aceitável que as 12 propostas de acção do “Projecto Farol” (http://projectofarol.com/documentos/farol_summary_presentation_v11.pdf) sejam algo genérico. São orientações estratégicas deduz-se. Agora, escrutinando um pouco mais essas propostas, e tomando como exemplo a proposta 5 – cultura de mobilidade – o que consta na página 26 da versão preliminar de 27.05.10 é de uma generalidade gritante. Não consigo vislumbrar nesta página nada que se possa co-substanciar em algo de concreto. Aliás o título da Proposta, "Comissão para a Produtividade" já deixa todos os meus cabelos em pé. E este tipo de problemas está presente em outras propostas, se bem que um pouco mais diluido, mas a meu ver com uma enorme margem para as mais díspares interpretações subjectivas.

Mas indo às propostas em concreto. Acho incrível como não se abordar, nem sequer levemente, a questão da reforma do dito estado social, mais concretamente, as reformas da segurança social. É inexoravelmente uma questão de aritmética simples, de merceeiro mesmo, concluir que com os encargos actuais e futuros, e com a evolução demográfica dos portugueses, o sistema actual vai falir. Sei que este é um assunto que muitos milhões de portugueses não admitem discussão, pois tratam-se de “direitos adquiridos”. Mas, com situações de pessoas que acumulam mais do que uma reforma (a começar pelo PR) e que ainda têm o displante de ocupar um posto de trabalho, qual é a justiça social que existe? Pessoas que se reformam aos 50 anos? Eu julgava que isto era um assunto óbvio e prioritário de resolver. Mas pelo que me apercebo, só parte da população abaixo dos 35 anos se preocupa com isto.

Já agora, quando se fala de uma Magna Carta Orçamental, sugere-se a criação de uma comissão constituida entre outros por ex-ministros das Finanças. Tendo em conta o track record do trabalho e resultados da maioria dos que pelo cargo passaram nos últimos 30 anos, tenho uma sugestão similar. Em reformas do sector financeiro português, porque não ter como consultores Oliveira e Costa, João Rendeiro ou Pedro Caldeira?

Ponto de partida

Uma das razões que me levaram a decidir escrever sobre a economia portuguesa são bem prosaicas. Pese embora nem seja economista (mas sim apenas um licenciado em Economia), já que é nítido que a reputação da profissão em Portugal já está tão por baixo, achei que conseguiria fazer melhor.

Por exemplo, a sugestão de ordem prática de um reputado (em Portugal) economista para resolver o problema da despesa pública, passava por e passo a citar:
seguramente, os vencimentos de funcionários públicos, incluindo os ministros", com "um corte na banda dos 15, 20, 30% - 15 sem dúvida, 20 provavelmente".
Continuando com: "A cru. Sem explicar nada. Ou melhor, explicando que ou é assim ou não é. Não querem, então não se faz".
 
Eu ainda pensei que ele tivesse sido mal citado, mas uma vez que colocou esta notícia no site da sua empresa, é porque concorda com as mesmas. Se isto é uma opinião, visivelmente muito fundamentada e bastante estudada como o detalhe dos 15-20-30% deixa denotar, dada por um ex-Ministro das Finanças, não é arrogância minha aspirar a pensar que consigo fazer melhor que isto. Fico curioso de saber se durante os tempos de escola deste senhor, que os saudosistas dizem que era muito mais exigente que a actual, num qualquer problema matemático ele apresentava assim tantas soluções e tão díspares. E se sim, qual a avaliação que lhe davam?

Concluindo, o meu objectivo ao escrever neste blog é dar opiniões um pouco mais construtivas e fundamentadas do que esta. É graças a opiniões deste calibre que o prestígio dos economistas está cada vez mais afundado. Tendo posto a fasquia neste nível, só posso ser bem sucedido.

O calculismo reina em Portugal


Em Portugal reina o calculismo político em detrimento do “superior interesse nacional”. Os mais variados actores políticos gerem as suas agendas mediáticas e eleitorais, sem se preocuparem com os efeitos que as suas divagações demagógicas produzem no país e nos mercados externos. O PS tenta derrubar mais um líder da oposição, radicalizando o discurso da não cooperação institucional. O PSD quer ser Governo mas não sabe bem quando nem como e ainda não decidiu de que forma deverá deixar que o orçamento do próximo ano seja aprovado sem beliscar os interesses do seu eleitorado de apoio. O Bloco de Esquerda está a perceber que pode ser a solução para a viabilização do orçamento mas tenta afastar-se desse caminho que lhe poderá ser mais inconveniente do que benéfico. O CDS pretende manter o estatuto de força política de governo e apresenta soluções construtivas. A ver vamos o que acontecerá se o PS tiver de ir bater à porta do Largo do Caldas para viabilizar o orçamento….
O PCP tem pouco a ganhar e quase nada a perder com esta crise a não ser que o seu candidato a Presidente da República tenha um resultado eleitoral inferior à base de apoio do próprio partido. No entanto, está garantida uma maior pressão pública dos sindicatos, o que lhe será favorável se for bem aproveitado.
Manuel Alegre está entre a espada e a parede. Se fala de crise, ou melindra o discurso do Bloco de Esquerda ou o do PS. O melhor que lhe poderia acontecer era um acordo entre estes dois partidos que viabilizasse o orçamento (embora a ala mais liberal do PS não queira sequer imaginar este cenário).
Fernando Nobre podia aproveitar este cenário mas perde em discurso aquilo que ganhava em notoriedade pública. Veremos se a sua candidatura se consegue revitalizar e chegar às eleições!
O Presidente da República Cavaco Silva tem muito a ganhar. A luta entre os partidos só o poderá fortalecer, embora provavelmente fique (ou já esteja) com a consciência algo pesada por não ter feito, a seu tempo, mais para evitar este pântano. Afinal de contas, o resultado da cooperação institucional está a ser desastroso para os portugueses.
Com todo este calculismo, os juros da divida publica sobem insistentemente, o desemprego aumenta, os mercados externos desconfiam da nossa capacidade de cumprir os compromissos e os técnicos do FMI bem podem já estar a fazer as malas porque mais vale que nos acudam depressa!
Afinal de contas onde pára o “superior interesse nacional” no meio destes actores políticos?